Em 24 Setembro de 1964, o meu avô, João Gonçalves, apanhou um comboio no Retaxo, em direcção a Lisboa. Ia sozinho, sem ninguém conhecido em seu redor. Chegou a Lisboa, era quase noite. Procurou a casa de um amigo polícia, seu conhecido e pernoitou lá. Mal o sol nasceu, pegou na sua única e pequena mala com 2 camisas e 2 calças e correu para apanhar o barco que partia para Angola, a terra de esperança.
O meu avô contou-me que essa viagem durou 9 dias e esses dias passou-os deitado na cama, apenas com um cacho de bananas que tinha comprado, quando pararam em Madeira.
“As ondas eram altas, e o barco abanava muito, não conseguia ficar de pé, enjoava logo.”
Falava-se no barco que estavam lá mil e quinhentas pessoas entre civis e militares, mas não se sabe ao cerco se eram assim tantas ou era um número exagerado.
O sol já ia alto quando o barco chegou finalmente a Luanda, capital de Angola.
Não demorou muito até encontrar uma pensão barata e, sem esperar, começou logo a procurar emprego. No fim de 2 dias, arranjou trabalho numa empresa de instalações telefónicas. Não pagavam muito, mas era o que se arranjava e precisava de dinheiro para mandar à sua esposa e aos seus 2 filhos, Carlos e António, que ficaram em Portugal.
Comunicavam por carta, trocavam fotos.
“Sentia muitas saudades. Eu estava na Angola sozinho e eles em Portugal.”
Passados 3 meses, entrou em contacto com a secretaria do povoamento e ingressou como colono do Vale do Loge, no distrito do Uíge, cuja actividade era a produção de café.
O meu avô, além de se dedicar ao café, tinha a paixão de caçar fofoqueiros, pacassa, quixema, gazelas, seixe.
Viveu sozinho 8 meses, numa casa que o povoamento lhe tinha oferecido, juntamente com a fazenda.
“Depois de tanto tempo sozinho, achei que estava na hora de mandar ir os meus familiares, mas tive que pedir, por escrito, ao Salazar, para me enviarem a família”
Mandaram bilhetes, documentos e dinheiro suficientes para irem para Lisboa, acompanharam-nos até ao barco e depois, em Angola, indicaram-lhes uma pensão e aguardaram até o meu avô os ir buscar, para a sua nova casa.
Quintal da casa: Mª dos Prazeres, Carlos e António.
Em 1967, nasceu o meu pai, Arménio. “Meti este nome, em honra de um soldado que me ajudou, em Angola”
O meu pai e o soldado Arménio.
Viveram, no Vale de Loge, até 1972.
“Durante este tempo, tantos soldados feridos que eu vi, em ataques terroristas, e cheguei a estar cara a cara com muito desses terroristas.”
Mudaram-se para Carmona, trabalhar como operador de máquinas de terraplanagem, na construção de estradas. Utilizava uma motoniveladora, era o nome que se lhe dava, na altura.
O meu avô, em cima da máquina.
Viviam num anexo pequeno, não tinha nada, apenas dois quartos e uma cozinha.
“Acho que foi, no princípio de 75. Estivemos 24h num fogo cruzado entre a FNLA e o MPLA, foi horrível. O teu pai a chorar, com medo dos tiros! Sempre debaixo da cama, para não apanharmos com nenhum tiro.”
António, a dormir numa cama dos soldados, no Vale do Loge
Em Outubro de 1975, tiveram que fugir da guerra. Abandonaram tudo e foram para Luanda, apenas com a roupa no corpo, à procura de vagas, para poder voltar para a sua terra natal.
“Tive que deixar vir a tua avó e os meninos, porque não havia vaga para mim, no avião soviético. Só consegui vir 15 dias depois, mas nem sei que avião era.”
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